Monday, February 26, 2007

Suíte Natalina – Parte 5: Allegro***


Não era propriamente acordar, porque Selune sabia-se de alguma maneira desperta. Era como se subitamente ela tomasse consciência do lugar em que estava, com quem estava e o que fazia.

Estava no quarto de estudos do professor de poções; ao seu lado uma pequena elfa de olhos âmbar a vigiava, sentadinha numa banqueta ao lado do divã. Era Isorah, antiga conhecida sua de noites insones na sala comunal da Grifinória.

- Isorah? O que faz aqui? Onde está Jarno? Quer dizer, homem que me acompanhou até aqui?– apesar de ainda se sentir leve e solta, Selune estranhou a intimidade com que pronunciara o nome do conde.

- Eu vir aqui trazer lanche para menina porque o professor verde pedir. – ela olhou satisfeita para uma bandeja colocada numa mesinha ao lado do divã – Agora, se Jarno é o moço que fala esquisito, de cabelo comprido, muito três chic que trazer a meidimousél aqui, ele ir embora.

- Embora? Mas quando ele foi embora?

- Sim, esse ir embora já. Quem ainda está na festa é o amigo da meidimousél que veio aqui e falou bravo com ele porque ele querer afogar a meidimousél na taça colorida gira-gira.

- Me afogar?! Como assim o Conde Jarno queria me afogar... na taça.... colorida... gira-gira...? – Selune se sentia absolutamente idiota, pescando somente partes isoladas da conversa que, pelo olhar de Isorah, ela deveria saber ao menos a metade.

- É! Amigo de meidimousél Selune dizer que o moço cabeludo não dever tentar ‘fazê' meidimousél inguligerir o líquido da taça colorida gira-gira meio dormindo como você estava porque ia te afogar. Não! Sufocar! E se ele, o moço cabeludo três chic estava insistindo tanto ou era porque o moço cabeludo três chic pretendia que meidimousel ficasse furta...colorida ou gira-girante também, ou então porque tinha coisa que fazia a taça gira-girar e deixava meidimousél meio dormindo e rindo feito boba para o moço cabeludo três chic.

- Sei... – Selune estava se esforçando para decifrar a fala encriptada da pequena elfa, mas achava que entendera as coisas num plano geral. – Então eu dormi e meu amigo veio aqui e o conde foi embora?

- Quase isso, sim. Meidimousél não dormir, ficar com cara de quem parecer dormir, mas fica de olhos abertos. Meidimousél parecer esquecer. É... seu amigo dizer que bastante possível que você se esquecer do que acontecer aqui alguns dias, até lembrar tudinho, pedacinho por pedacinho. Por isso ele ficar preocupado e pedir que eu ficar aqui tomando conta de você porque meidimousél estar com desmemória. Então seu amigo foi acompanhar o conde até o professor verde que querer ver ele .

Uma idéia vaga timidamente começou a tomar forma na cabeça da loirinha. Não era exatamente uma novidade, já que há algum tempo vinha pensando sobre sua relação com as pessoas que mais gostava. Quase 90% das vezes a imagem que lhe vinha à mente era uma figurinha fácil na sua vida, desde o primeiro ano em Hoggy, alguém que sempre estivera presente nos momentos em que precisara de um ombro, colo ou só cafuné.

- Isorah, você conhece esse meu amigo que você diz ter visto aqui?

- Sim, Isorah conhecer. Moço bonito, bom. Isorah sempre encontrar com ele na sala comunal da grifinória. E ele tentar se esconder, mas Isorah bem que perceber que há algum tempo ele ficar observando meidimoisél de longe... nos dias que meidimousél não dormir no mês passado ele estar escondido, observando. E como meidimousél andar sempre nas nuvens, nem perceber. Mas Isorah ver! Isorah ver tudo! Posso contar um segredo? – ela se aproximou da menina num tom de suspense: Acho que ele gostar de meidimousél Selune, mas ter medo de falar. Até Dobby concordar com Isorah.

- Por acaso você sabe onde ele está agora? – Selune sentiu um leve tremor ante esse anúncio.
- Bem, eu achar que ele já deve estar chegando aí. Se meidimousél esperar...

- Não dá, Isorah... Eu já esperei tempo demais! – com o coração aos saltos, Selune levantou-se do divã ainda zonza e correu até a porta do quarto de estudos, onde parou brevemente para checar sua aparência num espelho comprido. Quando voltou os olhos novamente para a área onde a festa ainda desenrolava seus últimos momentos, avistou-o andando calmamente em direção à mesa de bebidas. Apressou o passo, esforçando-se o máximo que permitia sua ansiedade para não correr feito uma louca desembestada. Quando parou atrás do rapaz de cabelos castanhos, falou calmamente:

- Hermie?

O rapaz olhou para traz e fitou-a em meio a um sorriso. Parecia um pouco desconcertado, parado ali a meio caminho de pegar sua bebida.

- Olá, Sel. Está tudo bem? Você parece esbaforida. Suas bochechas estão vermelhas. Tirou a noite para praticar Cooper?– sorriu novamente. Selune estava impressionada. Como não notara o quão encantador era o sorriso do amigo?

- Ah. Er... bien... Digamos que foi necessário correr atrrrás agorra de le temps perdu...

- Ixe, falando afrancesado? Deve ser uma coisa importante mesmo, hein? - ele respondeu, enquanto olhava discretamente por cima do ombro da francesa, preocupado com Lorelai, queria voltar logo para junto da fadinha e ver se ela estava melhor.

- Oh, oui, oui! Bien, eu prreciso. Quer dizerrr, gostarria de conversar com você agorra. C'est possible?

- Possível é, mas não agora. – Herman percebeu o desapontamento nos olhos azuis da jovem a sua frente. – Eu também queria conversar com você, mas é algo que vai levar um certo tempo e é importante demais para ser dito no meio dessa algazarra toda. Você entende?

- Oui, clarro. E estou d’accord aussi. Então, conversamos com calma depois?

- Sim, tão logo seja possível. Boa Noite, Sel. E bom Natal.

- Para você também, Herman.

Selune viu o amigo se afastar, sumindo aos poucos em meio a multidão. Estava contente, em breve conversaria com Herman e resolveria todas essas questões, mas por hora estava absolutamente exausta. E também tinha sede. Debruçou-se aérea sobre a bancada e pediu ao elfo que servia as bebidas um suco de morangos. Já havia ingerido muita alquimia não alcoólica por esta noite, e ainda podia sentir a luminescência furtacor a percorrer-lhe o sangue, como se a alma estivesse formigando num corpo que há muito já pedira clemência. Decidiu que seria melhor ir descansar tão logo terminasse seu suco.

- Querida, o que você está fazendo de pé? E novamente no balcão das bebidas? - Tia Mildred aparecera do nada.

- É só suco de morangos, tia. E eu já estava de saída, estou exausta.

- Não me admira. Tristan me alertou que aquele seu drink poderia estar ‘batizado’ com alguma coisa, ovos de cinzal com veneno de gira-gira, ou algo do tipo. Coisa mais grotesca!

- E como é que ele sabe? – Selune retorquiu, inflamada – Foi ele quem preparou?

- Como eu disse, ele apenas suspeita que ‘poderia’ estar... meu Deus, mas você deve estar mesmo exausta para deixar seu mal-humor com relação a Tristan transparecer assim tão claramente.

- Perdão tia. Mon Dieu. Eu vou mesmo ir dormir. – a menina ergueu-se na pontinha dos pés e pousou um beijo na bochecha da tia-avó, que sorriu ao ver que por baixo de todo cansaço sua menina ainda estava lá, firme.

- Mas você não pode ir sozinha, se Tristan estiver certo...

- Olha lá, Tia! Um colega da Grifinória está indo embora também! Deixa eu correr para aproveitar a companhia! - caminhou resoluta na direção daquele que acreditava ser Herman. Mesmo que não fosse, estava com pressa de sair dali, e afinal de contas aquilo era Hoggwarts, não Hogsmead, que perigo poderia correr? Além do mais, toda essa teoria da conspiração com paranóias de Tristan McCloud certamente acabariam por obrigá-la a aturá-lo por companhia até a torre da Grifinória. Sua cota de ter de se haver com o incômodo e etecéteras que ele lhe causava também havia se esgotado em quantidade para um mês inteirinho.

Imersa em seus pensamentos, a jovem alcançou o lado de fora das masmorras, mas ao contrário do que esperava, não viu ninguém sob as luzes bruxelantes das fileiras de fadas que iluninavam o corredor, indicando o caminho de volta às casas.

Enquanto caminhava no corredor deserto, mentalmente culpava Tristan por encher a cabeça de sua tia-avó de caraminholas para esta vir lhe buzinar nos ouvidos aquelas coisas que estavam lhe deixando com receio agora. Acelerou o passo e já estava quase a dobrar a primeira esquina quando ouviu um farfalhar muito leve atrás de si, como se fosse um bater de asas dissonante do das fadas que brilhavam corredor a fora.

- Tem alguém aí? Herman? – ela chamava sem contudo deixar de caminhar. - Ah, McCloud, você me paga por essa, ah se me p...

Não chegou a completar o pensamento. Ao farfalhar de asas seguiu-se um zumbido que foi se tornando cada vez mais próximo, até que ela sentiu uma fincada na nuca. Quase que instantaneamente ela girou sobre os pés, zonza, mas incrivelmente leve. Aliás, a tontura parecia deixá-la cada vez mais leve, e ela sentia como se estivesse a levitar a alguns centímetros do chão. Quando achou que breve se uniria às fadinhas luminosas para enfeitar o corredor, sentiu uma mão enlaçar seu pulso e trazê-la para perto da segurança do solo, perto de um corpo quente e protetor. Ela ergueu os olhos mas não conseguia divisar os contornos daquele rosto, enebriada pelo que quer que a houvesse atingido, a visão meio turva em função da tonteira e a escuridão dos corredores das masmorras. Afundou o rosto nas vestes de seu protetor e pode sentir o cheiro bom que ele exalava, um cheiro meio cítrico, meio amadeirado, um cheiro no qual ela permaneceria mergulhada para sempre.

- Que bom que você está aqui... Eu estou me sentindo tão assustada, tão sozinha, tão perdida... – as lágrimas quentes que corriam de seu rosto molhavam a camisa daquele que a envolvia tão ternamente, como se a conhecesse há tempos anteriores ao próprio tempo.

- Fique calma. – sua voz era apaziguadora e ele falava baixinho ao seu ouvido. – Você foi picada por um gira-gira, não é nada demais, está bem? Vou levá-la até a Mme. Pomfrey e tudo vai ficar bem, eu prometo.

- Promete que não vai me abandonar também? Que não vai me deixar sozinha e com medo nunca, nunca mais?

- Eu... eu prometo. Estarei sempre por perto como estou agora, e nunca vou deixá-la só enquanto você assim quiser...

Ainda se sentindo flutuar, Selune apoiou as mãos no colarinho da camisa do rapaz e sentiu o roçar frio de uma correntinha no dorso de sua mão. Havia esperado tanto por esse dia e esses eram o sinais de que havia chegado o tempo: o cheiro, a promessa, o elo de uma corrente que jamais se romperia. Finalmente ela havia encontrado a paz que tanto anseara. Sem mais pensar, sem sequer abrir os olhos ergueu o rosto e sôfrega buscou os lábios que pareciam já antever que esse seria o desfecho óbvio para aquele turbilhão de sensações. Sem medo, enlaçaram-se num beijo profundo, cheio de ânsia, desejo, cheio da toda verdade que eram ambos até aquele momento e tudo o que poderiam ser dali por diante. Conforme toda a carga represada ia arrefecendo, o beijo se amainava, tornando-se cálido, calmo até que, por fim, selou-se num leve toque de lábios.

Selune sequer se dera o trabalho de abrir os olhos. Estava plena, liberta, e muito, muito cansada. Sentiu o corpo pesando novamente entregue ao poder da gravidade e, num último átimo de consciência, soprou aos ouvidos de seu protetor:

- Je T’aime...

E tudo escureceu.

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Selune acordou na ala hospitalar com a mais homérica das dores de cabeça que jamais experimentara. A custo conseguiu abrir os olhos e enfrentar a parca luz que conseguia burlar a barreira das pesadas cortinas.

- Ah, nossa jovem alada acordou? – a voz pacificadora de Mme. Pomfrey encheu de alívio e realidade o ar surreal que envolvia a menina. – Parece que tentaram mesmo fazer com que você ficasse levinha ontem, não é borboletinha? Por pouco você não tem uma overdose de veneno de gira-gira e fica um ser flutuante para sempre. E por menos ainda quase que o professor Snape a pune por fazer uso de substâncias duvidosas dentro dos portões da escola.

- Mas eu não me lembro de ter feito nada além de...

- ... ter bebido uma coisinha colorida de brilho rodopiante? Uma mistura bombástica de ovos de cinzal, mas não em quantidade que pudesse caracterizar uma poção do amor, aditivada com uma dose considerável de veneno de gira-gira. Isso somada a injeção do veneno em estado bruto que você tomou ao ser picada pelo pequeno inseto em pessoa...

- Mon Dieu!

- É, minha querida, ‘mon Dieu’ mesmo! Sorte sua ter um amigo tão leal para interceder por você junto à professora McGonnagal, ao irritadíssimo professor Snape, e ao professor Slughorne, dono do estoque de onde bichinho que a picou veio. Seu amigo é muito inteligente. Ele fez uma investigação perfeita e seu poder de dedução é brilhante. Além de, cá entre nós, ser um rapaz muito bem apessoado e cavalheiro. Esperou aqui até que você estivesse completamente livre de quaisquer efeitos colaterais do que havia em seu corpo. Parabéns, minha querida. Ele realmente gosta de você.

- Meu amigo? Ele gosta de mim? – Selune sentiu o coração acelerar ante a lembrança do que aconteceu, o rosto ardendo em brasa de vergonha e satisfação. - E onde ele está agora?

- Ah, ele voltou para a torre da Grifinória. Mas antes, pediu que lhe dissesse que depois vocês conversam com mais calma, num momento mais oportuno, quando toda a agitação do ocorrido houver passado.

Selune sorriu ante a confirmação que essa frase lhe propiciava. Realmente, conforme ele lhe prometera, ia ficar tudo bem.

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*Allegro: Trecho musical alegre e animado
*gira-gira: inseto azul cujo veneno do ferrão provoca em quem é picado tonteira e levitação.
*cinzal: cobra que se forma quando se permite que um fogo mágico arda durante muito tempo. Seus ovos congelados são muito valiosos para o preparo de poções do amor.

- le temps perdu: o tempo perdido
- C'est possible?: é possível?
- d’accord aussi.: de acordo também

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