Monday, February 26, 2007

Suíte Natalina – Final: Prelúdios de Noturnos*


Lucien estava sentado na cama em seu quarto, olhando para o teto quando ouviu alguém bater na porta com suave urgência uma batida incomum: um som que tentava assemelhar-se à 5ª. Sinfonia de Beethoven.

- Pode entrar, Sel. – Lucien convidara em meio a um sorriso. Ele e a menina combinaram que sempre que ela desejasse avisar o irmão que precisava falar-lhe assuntos particulares iria executar, por assim dizer, uma cópia de quinta categoria da 5ª. Sinfonia. Essa era apenas uma das brincadeiras que refletiam a intimidade que crescera entre ambos nesse quase um ano de convivência; a lista de atitudes bobas, típicas de irmãos era tão grande que acabaram por inventar um termo que ao mesmo tempo explicasse e classificasse o grupo coisas muito particulares que faziam quando estavam juntos sandices selucienescas.

- Oi, maninho. Também está curtindo um momento “Natal, por que tê-lo?”

- É... Estou sofrendo de véspera. Bem, como já conversamos muito, apesar de ambos gostarmos da data em si...

- ... não somos fãs das lembranças que nos suscitam, eu sei, eu sei. Eu... também sinto saudades, Lusch.

- Sabia que eu gosto quando você me chama assim, de Lusch? É tão ... você. Essa proximidade que criamos me faz sentir de novo parte de uma família e isso alivia consideravelmente a dor pré-natal.

- Arre, você tem consciência de quão mal pode pegar você falar nesses termos? Parece que vai dar a luz.

- 1 X 0 para a pândega Sel. Engraçadinha.

- Desculpe, não podia perder a piada. Infame, mas piada... – a menina ficou em silêncio por um minuto, olhando para os flocos de neve colidindo com a janela – Já faz tanto tempo que convivo com essa dor que me acostumei à ela. Só acho que não me acostumei ainda totalmente por não entender o que se passou de verdade com papai, vovô e tio Erick, e por nunca ninguém me fornecer nenhuma dado a respeito. Bem, não que eles saibam também... - Selune sentou-se na cama enorme e olhou bem nos olhos de Lucien – E isso é uma grandessíssima mèr...

- Êh, não completa isso senão eu vou ser obrigado a te dedurar para a Tia Mildred.

- Ora, ora, não sabia que tinha acolhido no seio da família um dedo-duro! Me lembre de tapar sua boca com panos e almofadas quando você estiver para dar seu derradeiro grito delator no leito de morte!**Accio Almofada– quase num mesmo movimento Selune conjurou e arremessou o objeto em Lucien, que a foi mais rápido, segurando a almofada e devolvendo o arremesso na irmã, dessa vez com as mãos mesmo.

- 2 X 2, cabeça de borboleta! Você se rende?

- Tá, eu me rendo... Lusch, eu preciso lhe falar uma coisa muito importante. Na verdade, duas, mas a segunda eu só vou dizer quando estiver certa de algumas coisas. Tem a ver com sonhos com o papai.

- E a outra?

- A outra... – Selune abaixou a cabeça, ruborizada – a outra é que acho que estou apaixonada. Aliás, que sempre estive apaixonada, mas nunca me apercebi disso. Aliás, a verdade mesmo é que não sei se estou apaixonada simplesmente porque...

- Sim?

- Porque não sei o que é isso! – a menina escondeu o rosto com as mãos e se deixou cair na cama – Pode haver uma afirmação mais absurda de uma pessoa que passa seis anos do lado de alguém e só se dá conta de que talvez o ame quando vê que fingiu não ver, desde sempre?

- Por incrível que pareça, eu entendi. – Lucien deitou-se ao lado da irmã, olhado bem dentro dos olhos da irmã. - Você está falando do Mercury, não está?

- É. E nem vou me dar ao trabalho de perguntar como raios você sabe disso.

- Eu sei do meso modo que você disse sempre saber, com o diferencial que eu não fingi não enxergar o óbvio. Eu sei porque eu enxerguei o óbvio.

- Ah, era isso que eu temia! É muito clarro que c’est ne pas possible eu non terr notado esses anos tôds, comprand? Isso só é explicável se eu... se eu non quisesse ver. Mas o pour quoi de eu non querer ver é que son elas!

- Bem, eu desconfiei pela forma que ele me tratava toda vez que nos via juntos e realmente me surpreendi que você não notasse. Acabei concluindo que não queria falar a respeito, e não poderia forçá-la a me dizer nada. E você, como chegou a essa conclusão?

Selune relatou todo o flashback que fizera, desde quando conhecera Herman, passando pelas vezes em que ele se afastou e terminando por relatar o episódio do surreal do qual fora personagem principal na festa do professor de poções.

- Que história! Mas me conte uma coisa: você tem certeza absoluta que esse seu protetor é o Mercury?

- Certeza, certeza não. Mas tudo se encaixa perfeitamente: o fato de ele ter sempre estado por perto quando eu precisei, ter cuidado de mim nesses seis anos, tudo isso somado à promessa de conversarmos depois, à sós, porque ele sabia do teor do que eu diria. Isso pessoalmente e depois como recado através da Mme. Pomfrey – Selune suspirou.

- Mas você sente que não deve se fiar nessa conclusão, ainda que ela pareça racionalmente plausível.

- Exatamente por isso. Está racional demais para ser algo que diz respeito ao coração! Apesar de tudo se encaixar e de tudo que eu sinto em relação ao Herman, o que sinto quando penso nessa situação non sense da festa em específico é totalmente diferente ao que sinto quando me lembro de nós, dos momentos que passamos juntos! São sentires distinto... Como é que pode! Eu acho que estou ficando louca! Aaaaaaaah! – Selune segurou a almofada contra o rosto e deu um grito de desabafo.

- Sabe, maninha? Eu estou aqui todos esses dias ruminando minha história com a Meri, tentando ajuntar os pedaços e formar uma idéia coerente, mas não adianta: sozinho, sem saber de todos os detalhes das todas as partes envolvidas, não vai ser possível que eu compreenda. E me parece que com você o mesmo acontece. Então, antes que alguém decida nos transferir para um retiro de repouso por estafa sentimental, creio que devíamos tomar uma atitude em relação a nossos corações completamente maleducados no que diz respeito ao amor. O que falta a nós dois é procurar as respectivas razões de nosso afeto e tentar a boa e velha e altamente batida...

- Conversa franca? – Selune sorriu – É, eu também cheguei a essa conclusão brilhante. Mas cá entre nós: poxa, Lusch, você está falando igualzinho a vovó Vicky!

- Mas é verdade. E a vovó Vicky sabe muito das coisas, então eu me sinto honrado em ser comparado com ela.

- Quem sou eu para discordar? - A menina ergueu as mãos em sinal de rendição. - Não só a vovó Vicky, mas mamãe e seu pai, nossa família inteira é o máximo! Aliás, esses dois são nossa explicação hereditária para sermos essa dupla de parvos sentimentais. Você acha que ainda vai demorar muito tempo até que eles assumam de vez que se amam e resolvam se casar e nos dar irmãozinhos?

-Não sei, não, mas algo me diz que em breve teremos novidades.

- E a tia Mildred vai ficar muito satisfeita com ela...
- É verdade. – o rosto do rapaz ficou sério. – Mas por enquanto, outra coisa me preocupa.

- O que? Se for sobre os sonhos que tenho tido sobre papai e a pesquisa que estou fazendo nem adianta perguntar. Eu já disse que preciso ter certeza primeiro. E não se preocupe, não estou correndo perigo. Ao menos não ainda.

Lucien olhou demoradamente para a irmã. Finalmente estava vendo o desabrochar de tudo o que ela mantivera latente. Agora sim ela assumia sua herança e seu destino: era filha de um inonimável de respeito. Era uma Mont-Blanc Priout.

- Nada disso. É algo muito mais importante, e envolve riscos inimagináveis até para filhos de aurores e inomináveis...

Selune arregalou os olhos, tentando se prepara para o próximo golpe que a vida lhe daria. Estava, sim, fortalecendo sua alma e preparando-se para encarar de frente a realidade que lhe seria arremessada de sopetão. Não esperava, no entanto, que esse golpe lhe seria atirado em cheio nas fuças sob a forma fofa de uma almofada azul. Após o elemento surpresa, quando finalmente conseguiu assimilar o que se passava ergueu-se da cama pronta para revidar com uma metralhada de almofadas, mas tudo o que pode divisar foi a sola dos sapatos de Lucien fazendo a curva do corredor. Enquanto ele berrava:

- 3 X 2, cabeça de borboleta! E quem chegar por último na neve é o escravo construtor de bolas de neve do outro!

- Lucien Von Weizzelberg! – Selune saiu do quarto derrapando na curva do corredor – Isso é trapaça, seu cabeça de chucrute! Impedimenta!

- Errou! Você atirou antes da hora! – o garoto corria na frente da irmã com alguns bons metros de vantagem. Ao passar pela porta, usou um atônito auror do continente que faziam a segurança da família como escudo.

- Faça jus aos genes de Alexis que você tem e pare de correr! Quero ver você me encarar numa disputa mano a mano! Eu duvido que você ganhe! – a menina passou ventando ao lado de um segundo auror, desequilibrando-o com sua destreza em desviar dele - Anteontem você lembra que eu venci, e não precisei usar nenhum auror com cara de maldição imperdoável para me proteger!

E correram pelo quintal coberto de neve, em meio a risos e provocações inocentes. Aos guarda-costas com cara de maldição imperdoável restou segui-los resignados com a sina de guardar dois adolescentes cheios de gás. E eles adoravam esse trabalho...

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* Prelúdio: introdução, em geral instrumental, de uma peça musical como uma ópera.
* Noturno: forma de composição com caráter meditativo e vago de um devaneio, próprio dos compositores românticos.
* * Dedo-duro (jobberknoll): ave minúscula de penugem azul, muito conhecida por não produzir nenhum som exceto no momento de sua morte, quando regurgita tudo o que ouviu em vida de trás para frente.

Suíte Natalina – Parte 5: Allegro***


Não era propriamente acordar, porque Selune sabia-se de alguma maneira desperta. Era como se subitamente ela tomasse consciência do lugar em que estava, com quem estava e o que fazia.

Estava no quarto de estudos do professor de poções; ao seu lado uma pequena elfa de olhos âmbar a vigiava, sentadinha numa banqueta ao lado do divã. Era Isorah, antiga conhecida sua de noites insones na sala comunal da Grifinória.

- Isorah? O que faz aqui? Onde está Jarno? Quer dizer, homem que me acompanhou até aqui?– apesar de ainda se sentir leve e solta, Selune estranhou a intimidade com que pronunciara o nome do conde.

- Eu vir aqui trazer lanche para menina porque o professor verde pedir. – ela olhou satisfeita para uma bandeja colocada numa mesinha ao lado do divã – Agora, se Jarno é o moço que fala esquisito, de cabelo comprido, muito três chic que trazer a meidimousél aqui, ele ir embora.

- Embora? Mas quando ele foi embora?

- Sim, esse ir embora já. Quem ainda está na festa é o amigo da meidimousél que veio aqui e falou bravo com ele porque ele querer afogar a meidimousél na taça colorida gira-gira.

- Me afogar?! Como assim o Conde Jarno queria me afogar... na taça.... colorida... gira-gira...? – Selune se sentia absolutamente idiota, pescando somente partes isoladas da conversa que, pelo olhar de Isorah, ela deveria saber ao menos a metade.

- É! Amigo de meidimousél Selune dizer que o moço cabeludo não dever tentar ‘fazê' meidimousél inguligerir o líquido da taça colorida gira-gira meio dormindo como você estava porque ia te afogar. Não! Sufocar! E se ele, o moço cabeludo três chic estava insistindo tanto ou era porque o moço cabeludo três chic pretendia que meidimousel ficasse furta...colorida ou gira-girante também, ou então porque tinha coisa que fazia a taça gira-girar e deixava meidimousél meio dormindo e rindo feito boba para o moço cabeludo três chic.

- Sei... – Selune estava se esforçando para decifrar a fala encriptada da pequena elfa, mas achava que entendera as coisas num plano geral. – Então eu dormi e meu amigo veio aqui e o conde foi embora?

- Quase isso, sim. Meidimousél não dormir, ficar com cara de quem parecer dormir, mas fica de olhos abertos. Meidimousél parecer esquecer. É... seu amigo dizer que bastante possível que você se esquecer do que acontecer aqui alguns dias, até lembrar tudinho, pedacinho por pedacinho. Por isso ele ficar preocupado e pedir que eu ficar aqui tomando conta de você porque meidimousél estar com desmemória. Então seu amigo foi acompanhar o conde até o professor verde que querer ver ele .

Uma idéia vaga timidamente começou a tomar forma na cabeça da loirinha. Não era exatamente uma novidade, já que há algum tempo vinha pensando sobre sua relação com as pessoas que mais gostava. Quase 90% das vezes a imagem que lhe vinha à mente era uma figurinha fácil na sua vida, desde o primeiro ano em Hoggy, alguém que sempre estivera presente nos momentos em que precisara de um ombro, colo ou só cafuné.

- Isorah, você conhece esse meu amigo que você diz ter visto aqui?

- Sim, Isorah conhecer. Moço bonito, bom. Isorah sempre encontrar com ele na sala comunal da grifinória. E ele tentar se esconder, mas Isorah bem que perceber que há algum tempo ele ficar observando meidimoisél de longe... nos dias que meidimousél não dormir no mês passado ele estar escondido, observando. E como meidimousél andar sempre nas nuvens, nem perceber. Mas Isorah ver! Isorah ver tudo! Posso contar um segredo? – ela se aproximou da menina num tom de suspense: Acho que ele gostar de meidimousél Selune, mas ter medo de falar. Até Dobby concordar com Isorah.

- Por acaso você sabe onde ele está agora? – Selune sentiu um leve tremor ante esse anúncio.
- Bem, eu achar que ele já deve estar chegando aí. Se meidimousél esperar...

- Não dá, Isorah... Eu já esperei tempo demais! – com o coração aos saltos, Selune levantou-se do divã ainda zonza e correu até a porta do quarto de estudos, onde parou brevemente para checar sua aparência num espelho comprido. Quando voltou os olhos novamente para a área onde a festa ainda desenrolava seus últimos momentos, avistou-o andando calmamente em direção à mesa de bebidas. Apressou o passo, esforçando-se o máximo que permitia sua ansiedade para não correr feito uma louca desembestada. Quando parou atrás do rapaz de cabelos castanhos, falou calmamente:

- Hermie?

O rapaz olhou para traz e fitou-a em meio a um sorriso. Parecia um pouco desconcertado, parado ali a meio caminho de pegar sua bebida.

- Olá, Sel. Está tudo bem? Você parece esbaforida. Suas bochechas estão vermelhas. Tirou a noite para praticar Cooper?– sorriu novamente. Selune estava impressionada. Como não notara o quão encantador era o sorriso do amigo?

- Ah. Er... bien... Digamos que foi necessário correr atrrrás agorra de le temps perdu...

- Ixe, falando afrancesado? Deve ser uma coisa importante mesmo, hein? - ele respondeu, enquanto olhava discretamente por cima do ombro da francesa, preocupado com Lorelai, queria voltar logo para junto da fadinha e ver se ela estava melhor.

- Oh, oui, oui! Bien, eu prreciso. Quer dizerrr, gostarria de conversar com você agorra. C'est possible?

- Possível é, mas não agora. – Herman percebeu o desapontamento nos olhos azuis da jovem a sua frente. – Eu também queria conversar com você, mas é algo que vai levar um certo tempo e é importante demais para ser dito no meio dessa algazarra toda. Você entende?

- Oui, clarro. E estou d’accord aussi. Então, conversamos com calma depois?

- Sim, tão logo seja possível. Boa Noite, Sel. E bom Natal.

- Para você também, Herman.

Selune viu o amigo se afastar, sumindo aos poucos em meio a multidão. Estava contente, em breve conversaria com Herman e resolveria todas essas questões, mas por hora estava absolutamente exausta. E também tinha sede. Debruçou-se aérea sobre a bancada e pediu ao elfo que servia as bebidas um suco de morangos. Já havia ingerido muita alquimia não alcoólica por esta noite, e ainda podia sentir a luminescência furtacor a percorrer-lhe o sangue, como se a alma estivesse formigando num corpo que há muito já pedira clemência. Decidiu que seria melhor ir descansar tão logo terminasse seu suco.

- Querida, o que você está fazendo de pé? E novamente no balcão das bebidas? - Tia Mildred aparecera do nada.

- É só suco de morangos, tia. E eu já estava de saída, estou exausta.

- Não me admira. Tristan me alertou que aquele seu drink poderia estar ‘batizado’ com alguma coisa, ovos de cinzal com veneno de gira-gira, ou algo do tipo. Coisa mais grotesca!

- E como é que ele sabe? – Selune retorquiu, inflamada – Foi ele quem preparou?

- Como eu disse, ele apenas suspeita que ‘poderia’ estar... meu Deus, mas você deve estar mesmo exausta para deixar seu mal-humor com relação a Tristan transparecer assim tão claramente.

- Perdão tia. Mon Dieu. Eu vou mesmo ir dormir. – a menina ergueu-se na pontinha dos pés e pousou um beijo na bochecha da tia-avó, que sorriu ao ver que por baixo de todo cansaço sua menina ainda estava lá, firme.

- Mas você não pode ir sozinha, se Tristan estiver certo...

- Olha lá, Tia! Um colega da Grifinória está indo embora também! Deixa eu correr para aproveitar a companhia! - caminhou resoluta na direção daquele que acreditava ser Herman. Mesmo que não fosse, estava com pressa de sair dali, e afinal de contas aquilo era Hoggwarts, não Hogsmead, que perigo poderia correr? Além do mais, toda essa teoria da conspiração com paranóias de Tristan McCloud certamente acabariam por obrigá-la a aturá-lo por companhia até a torre da Grifinória. Sua cota de ter de se haver com o incômodo e etecéteras que ele lhe causava também havia se esgotado em quantidade para um mês inteirinho.

Imersa em seus pensamentos, a jovem alcançou o lado de fora das masmorras, mas ao contrário do que esperava, não viu ninguém sob as luzes bruxelantes das fileiras de fadas que iluninavam o corredor, indicando o caminho de volta às casas.

Enquanto caminhava no corredor deserto, mentalmente culpava Tristan por encher a cabeça de sua tia-avó de caraminholas para esta vir lhe buzinar nos ouvidos aquelas coisas que estavam lhe deixando com receio agora. Acelerou o passo e já estava quase a dobrar a primeira esquina quando ouviu um farfalhar muito leve atrás de si, como se fosse um bater de asas dissonante do das fadas que brilhavam corredor a fora.

- Tem alguém aí? Herman? – ela chamava sem contudo deixar de caminhar. - Ah, McCloud, você me paga por essa, ah se me p...

Não chegou a completar o pensamento. Ao farfalhar de asas seguiu-se um zumbido que foi se tornando cada vez mais próximo, até que ela sentiu uma fincada na nuca. Quase que instantaneamente ela girou sobre os pés, zonza, mas incrivelmente leve. Aliás, a tontura parecia deixá-la cada vez mais leve, e ela sentia como se estivesse a levitar a alguns centímetros do chão. Quando achou que breve se uniria às fadinhas luminosas para enfeitar o corredor, sentiu uma mão enlaçar seu pulso e trazê-la para perto da segurança do solo, perto de um corpo quente e protetor. Ela ergueu os olhos mas não conseguia divisar os contornos daquele rosto, enebriada pelo que quer que a houvesse atingido, a visão meio turva em função da tonteira e a escuridão dos corredores das masmorras. Afundou o rosto nas vestes de seu protetor e pode sentir o cheiro bom que ele exalava, um cheiro meio cítrico, meio amadeirado, um cheiro no qual ela permaneceria mergulhada para sempre.

- Que bom que você está aqui... Eu estou me sentindo tão assustada, tão sozinha, tão perdida... – as lágrimas quentes que corriam de seu rosto molhavam a camisa daquele que a envolvia tão ternamente, como se a conhecesse há tempos anteriores ao próprio tempo.

- Fique calma. – sua voz era apaziguadora e ele falava baixinho ao seu ouvido. – Você foi picada por um gira-gira, não é nada demais, está bem? Vou levá-la até a Mme. Pomfrey e tudo vai ficar bem, eu prometo.

- Promete que não vai me abandonar também? Que não vai me deixar sozinha e com medo nunca, nunca mais?

- Eu... eu prometo. Estarei sempre por perto como estou agora, e nunca vou deixá-la só enquanto você assim quiser...

Ainda se sentindo flutuar, Selune apoiou as mãos no colarinho da camisa do rapaz e sentiu o roçar frio de uma correntinha no dorso de sua mão. Havia esperado tanto por esse dia e esses eram o sinais de que havia chegado o tempo: o cheiro, a promessa, o elo de uma corrente que jamais se romperia. Finalmente ela havia encontrado a paz que tanto anseara. Sem mais pensar, sem sequer abrir os olhos ergueu o rosto e sôfrega buscou os lábios que pareciam já antever que esse seria o desfecho óbvio para aquele turbilhão de sensações. Sem medo, enlaçaram-se num beijo profundo, cheio de ânsia, desejo, cheio da toda verdade que eram ambos até aquele momento e tudo o que poderiam ser dali por diante. Conforme toda a carga represada ia arrefecendo, o beijo se amainava, tornando-se cálido, calmo até que, por fim, selou-se num leve toque de lábios.

Selune sequer se dera o trabalho de abrir os olhos. Estava plena, liberta, e muito, muito cansada. Sentiu o corpo pesando novamente entregue ao poder da gravidade e, num último átimo de consciência, soprou aos ouvidos de seu protetor:

- Je T’aime...

E tudo escureceu.

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Selune acordou na ala hospitalar com a mais homérica das dores de cabeça que jamais experimentara. A custo conseguiu abrir os olhos e enfrentar a parca luz que conseguia burlar a barreira das pesadas cortinas.

- Ah, nossa jovem alada acordou? – a voz pacificadora de Mme. Pomfrey encheu de alívio e realidade o ar surreal que envolvia a menina. – Parece que tentaram mesmo fazer com que você ficasse levinha ontem, não é borboletinha? Por pouco você não tem uma overdose de veneno de gira-gira e fica um ser flutuante para sempre. E por menos ainda quase que o professor Snape a pune por fazer uso de substâncias duvidosas dentro dos portões da escola.

- Mas eu não me lembro de ter feito nada além de...

- ... ter bebido uma coisinha colorida de brilho rodopiante? Uma mistura bombástica de ovos de cinzal, mas não em quantidade que pudesse caracterizar uma poção do amor, aditivada com uma dose considerável de veneno de gira-gira. Isso somada a injeção do veneno em estado bruto que você tomou ao ser picada pelo pequeno inseto em pessoa...

- Mon Dieu!

- É, minha querida, ‘mon Dieu’ mesmo! Sorte sua ter um amigo tão leal para interceder por você junto à professora McGonnagal, ao irritadíssimo professor Snape, e ao professor Slughorne, dono do estoque de onde bichinho que a picou veio. Seu amigo é muito inteligente. Ele fez uma investigação perfeita e seu poder de dedução é brilhante. Além de, cá entre nós, ser um rapaz muito bem apessoado e cavalheiro. Esperou aqui até que você estivesse completamente livre de quaisquer efeitos colaterais do que havia em seu corpo. Parabéns, minha querida. Ele realmente gosta de você.

- Meu amigo? Ele gosta de mim? – Selune sentiu o coração acelerar ante a lembrança do que aconteceu, o rosto ardendo em brasa de vergonha e satisfação. - E onde ele está agora?

- Ah, ele voltou para a torre da Grifinória. Mas antes, pediu que lhe dissesse que depois vocês conversam com mais calma, num momento mais oportuno, quando toda a agitação do ocorrido houver passado.

Selune sorriu ante a confirmação que essa frase lhe propiciava. Realmente, conforme ele lhe prometera, ia ficar tudo bem.

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*Allegro: Trecho musical alegre e animado
*gira-gira: inseto azul cujo veneno do ferrão provoca em quem é picado tonteira e levitação.
*cinzal: cobra que se forma quando se permite que um fogo mágico arda durante muito tempo. Seus ovos congelados são muito valiosos para o preparo de poções do amor.

- le temps perdu: o tempo perdido
- C'est possible?: é possível?
- d’accord aussi.: de acordo também

Suíte Natalina – Parte 4: Intermezzo**


Selune olhou pela janela da sala de música da mansão e percebeu que já anoitecera há algum tempo. Estava ali defronte ao piano há horas, e vezes sem conta repassara os acontecimentos da festa em sua cabeça sem conseguir descobrir as últimas peças que ainda rodopiavam perdidas em sua cabeça, como o líquido colorido que ingerira displicente durante a comemoração.

Por que só se lembrava de flashes de acontecimentos da festa, tudo aos pedaços? Por que as imagens eram distorcidas logo depois de Jarno tê-la levado para o quarto de estudos de Slughorne? E acima de tudo, a única coisa de que se recordava com perfeição e a que mais lhe incomodava era por que, Oh Merlin, Herman lhe dissera pouco antes de ela deixar a festa que eles precisavam conversar com calma e até o presente dia ele não havia se manifestado nem por berrador?

Próximo aos pés da menina, Lucky ronronava tranqüilo. Nos últimos dias, o gatinho negro como a noite parecera perceber a já natural confusão da dona entrar num crescente contínuo, e, por amor filial, mantinha-se sempre por perto, mesmo que dormindo e sonhando sonhos felinos, como era o caso nesse instante.

- Herman, Herman ... Que será que está acontecendo dessa vez? – A menina suspirou resignada; ainda se lembrava da última vez em que ela e o amigo se afastaram, e o quanto se sentira sozinha, sem chão. Tinham passado por tanta coisa desde de a chegada à Hogwarts que o laço que os unia costumava ser quase telepático e a presença dele algo natural. - De tanto ser fã, acho que o Herman acabou parecido com aquele super-herói que ele gosta tanto, o “Amigo das Aranhas”... não, não é isso... “Homem-da-vizinhança”... nããã. Hum. Ah! Homem-Aranha! O amigo da vizinhança!.

Ainda que Herman não usasse um uniforme vermelho colante riscado em teias, de fato sempre estivera nas proximidades, aparecendo do nada nas horas mais difíceis; isso se tornou mais sensível no ano anterior, que acumulou sozinho um saldo de intempéries considerável. Dentre elas, uma das mais doloridas: a não presença de seu melhor amigo. Tentou esboçar um sorriso, mas uma inquietação indefinida rodopiava em sua mente.

- Talvez se eu conseguir entender o que houve daquela vez, compreenda o que está acontecendo agora... Vamos, Selune, não pode ser assim tão difícil. - Era quase tangível o esforço mental que moça fazia para juntar fragmentos que explicasse o comportamento evasivo do rapaz.

Entretanto, na verdade, era, sim, bastante difícil e ela sabia o motivo. Estava exausta e perdida, afogada numa espécie de torpor de onde tudo parecia distante; nem mesmo estar perto da sua família e das lembranças de seu pai fazia com que ela olhasse para o mundo como parte dele. Sentia como se morasse numa bolha do lado de fora dela mesma, dos problemas, sem a paixão que move as pessoas e as faz acordar todos os dias para mirar a vida nos olhos.

- Sacre Bleu! C’est ne pás possible! Em que momento de ma vie eu me tornei essa pessoa tão ... desligada, desatenta? – era uma pergunta quase retórica. Na verdade, ela tinha uma boa noção não só de quando como também de porque isso estava acontecendo. Desde as férias de verão sua visão das coisas simplesmente parecia ter se nublado.

Começava a se arrepender de ter se metido a ler os livros de psicologia de seu primo Phillippe*, porque cada vez que adentrava o terreno pantanoso das questões existenciais, vinha-lhe à mente a figura de um senhor calvo, barba bem feita, com um olhar penetrante mesmo atrás do óculos redondos. Sentia como se ele a observasse com o ar compadecido de quem sabe exatamente que soterrar no fundo da mente o que é difícil de lidar agora resultaria num considerável trabalho para recuperar tudo quando não fosse mais possível adiar o confronto com a verdade. Como agora.


- Monsieur Freud, se o senhor estivesse vivo ia até Viena só parra lhe informar como a ignorância é uma benção....Aaaaaaaaaaaaaaaah!

O som desencontrado de teclas sendo acionadas ao mesmo tempo sem harmonia alguma acordaram o felino que cumpria sua tarefa de guardião nada elegante roncando aos pés da dona. Lucky ergueu os olhos, entre assustado e sonolento, e pôde ver Selune com a testa apoiada no teclado.

- Meown...?

- Oh, Lucky... perdón. - a menina limitou-se a abrir os olhos e olhar para o gatinho na mesma posição. Eu fiquei ton desconcertada que abaixei a cabeça rápido demais...

Os olhos brilhantes, o gatinho maneou a cabeça, e continuou a fitá-la inquisidor.

- Ah, tûd bem, eu dei mêsm uma cabeçada de prropóssito no teclado, o que é que tem? Eu merrecia um Conjunctivitus ou um Brackium Emendo por ser ton covarde...

- Miah?!

Selune deu um longo suspiro e praticamente se içou do teclado com desânimo.

- Oui, oui... Eu querro meus amigos de volta, e já passou da horra de resolver essa questón.Vam’s começar devagar que as coisas vãm surgind por associaçón livrre, já dirria Frreud. Hmm... – Voltou a tamborilar a esmo uma melodia. Música sempre a ajudara a pensar. Pensar alto, principalmente, mas não havia ninguém ali para lhe ouvir – Vejamos ... Logo antes de comçar tôd a questón com o Aurreos, teve o dia que eu torci o tornozelo caindo sobrre o Drraco... Aff. Non admira ter enterrado essas coisas mêsm’! Ôh, fasse dèsolè essa em que estava apaixo... er...enfim, o importante parra o contexto: o Herman está lá salvando o dia.

Lucky estreitou os olhos e ronronou. Estando claro que aquele era um dos famosos momentos "Selune por e com ela mesma", resolveu que o melhor a fazer era fechá-los novamente e, embalado pela cadência da música, voltar a cochilar.

- Goyle trransita porr aí com um exemplar do livro das famílias - até a Mme. Pince se assustou de vê-lo na biblioteca, aquela aparição assombrosa; hm... Greenleaf foge, Lucien (que eu ainda non sabia que erra o Lucien) o encontra, mas é Herman quem está lá para me salvar de pegar uma grripe serreiân’ à beira do Lago Negro; Lucien me salva da patrulha Umbridge e nós começamos a ficar realmente próximos, principalmente quando ele acaba me dando força na história do Aureos. Herman, por sua vez, começa a investigar sobre o livro e eu peço que ele se afaste dessa confusão, ele se afasta de mim. E então começa a fugir de mim na sala comunal, nas aulas e até no ensaio do corro quando eu toco as músicas parra me desculpar por tê-lo evitado; a gente só volta a se aproximar depois da Festa dos Star, quando eu o defendo do desbotado nojento do Draco, mas depois dessa odisséia... ele nunca mais foi o mesmo. Até a festa de Slughorne, quando ele disse que precisávamos conversar.

Pensativa, sem saber como continuar o raciocínio, a moça silenciou. Tudo que se ouvia na sala era o som forte ecoando, ganhando força e cada vez mais ritmo conforme uma enxurrada de pensamentos inundava-lhe a cabeça a menina, girando, girando hipnoticamente. A cada volta, as idéias iam se encaixando perfeitamente, como um quebra-cabeças para o qual você olha por muito tempo e, justamente pelo costume, não consegue ver que a solução estava numa peça que sempre estivera ali, só que no lugar errado.

Num repente, a música que ecoava pela sala parou. Selune olhava congelada para o teclado do cravo, os olhos abertos numa expressão de pura consternação.

- Não pode ser ISSO! Definitivamente não pode...

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* Intermezzo: intervalo numa apresentação teatral, representação breve e musicada.

** Phillippe Marceu du Mont Blanc: estudante de Psicologia na universidade de Aix-en-Provence, neto da governanta do Chatêu des Fleurs Nana Marceu du Mont Blanc, , trouxa criada como irmã de Yvainne – a avó materna de Selune. Selune, que o chama de primo, costuma ir com ele à biblioteca fazer algumas consultas sobre o mundo que a encanta e do qual ela pouco (ou quase nada...) sabe.

Suite Natalina - Parte 2
Interlúdio


Foram claramente perceptíveis o ligeiro silêncio e a notória perplexidade que se formaram nos convivas de Horace Slughorne quando um determinado casal adentrou a sala do velho professor de Poções. Mas, de fato, como não admirar o belíssimo Conde Jarno Massimo de Camposanto e sua magnífica noiva Madeleine Sinn, ainda mais quando juntos, e trajados a rigor?

- Ah, carissima! Nada me traz mais orgoglio e piacere do que ser dardejado por olhares invejosos e assassinos de seus eternos admirattori... Guarda como me odeiam por eu trazer ao braço la donna que eles desejam... mas nunca poderão ter! – murmurou Jarno, por entre um sorriso, na orelha de Maddie.

- Bem, acho que você sabe que partilho desses seus mesmos orgulho e prazer, querido, devolveu ela, olhos brilhantes de malícia. Veja só todas essas tolinhas, como se derretem por sua aparência nobre e apaixonada, meu Conde... Mal sabem elas il diavolo que se esconde detrás desses olhos lânguidos e desse sorriso doce...

- Diavolo che ti fa tanto bene, non’è vero, carissima?, ele tornou, num sussurro rouco.

A ruiva nada disse; porém, nem seria preciso. Tudo o que pensava estava claro em seu magnífico sorriso.

-Está por aqui a linda tolinha que você tanto cobiça, Diavolino? A jovem loira de Chamonix?, emendou Maddie, passeando curiosamente seus magníficos olhos verdes pelas convidadas de Slughorne.

- Lo credo, cara mia. Afinal, lei ainda é una studentessa. E você teria tido oportunidade de conoscerla se não estivesse tão ocupada com... altre cose. – comentou Jarno, enlaçando a noiva pela cintura.

Maddie riu gostosamente... De fato, a outra coisa com que se ocupara em Chamonix lhe rendera excelentes momentos, uma vez que sua presa não demonstrara a mesma resistência que a tolinha de Jarno.

- Tudo é uma questão de oportunidade e talento - sussurrou a ruiva, deslizando suavemente um dedo pelo perfil do Conde -, e você sabe que, se a primeira por enquanto lhe faltou, o segundo lhe sobeja... Diavolino mio.

Jarno aproximou lentamente seus lábios da ruiva e a manteve suspensa a um passo de um beijo; recuou, porém, com um meio sorriso cheio de malícia. Maddie estremeceu de desejo.

- Aproveitemos agora a festinha das crianças, Diavolino, murmurou Maddie, com voz rouca. Agora é a hora de sua soirée com a francesinha. O grande espetáculo desfrutaremos mais tarde... juntos.

- Si, caríssima, mais tarde... Mesmo porque abbiamo compagnia; lá vem il Signore Slughorne, riddicolo come uno leão marinho verde, comentou Jarno, segurando o riso.

Porém, antes que Slughorne alcançasse o casal, o Conde já vestira o rosto com o mais polido dos sorrisos. Quem o visse teria a estranha certeza de que esse homem possuía o tipo de doçura dos que falam de coisas que envolvem a poesia da vida, a magia do amor, a força dos sorrisos de criança, ao mesmo tempo em que conseguiria sustentar a postura máscula de quem é o primeiro a se oferecer caso alguém precise enfrentar um Dementador. Ledo engano, que Jarno era mestre insuperável na arte de produzir.

- Benvenuto, Conde Jarno di Camposanto! É um grande piacere ter um tão galantuomo aqui, nessa pequena comemoração natalina!, exclamou Slughorne, em meio a pulinhos de prazer.

- Caríssimo insegnante Slughorne, o piacere é tutto mio em poder revê-lo dopo tanto tempo! Scuzatemi, credo que deva conoscere la mia noiva, la mia belíssima Madeleine Sinn.

- Como não reconheceria esta belissima signorina?!? – o homem rechonchudo curvou-se e tomou entre as suas a mão de Maddie, que se limitou a sorrir, graciosa e superiora, enquanto o bigode de morsa causava-lhe asco e a figura patética, pena. – Apesar de infelizmente não ter tido o piacere de tê-la como aluna, ouvi falar muito bem dela por uma fonte que certamente é sumidade no mundo onde esta beldade é estrela. Imagino que devem conhecer a distinta senhora Mildred Josephine Priout du-Lac, proprietária e editora da Charming Witch – Cosmopolitan?

- Certamente, Sr. Slughorne. Já participei de muitos editoriais dessa conceituada publicação, que foram, inclusive, os mais vendidos. – A jovem modelo era o charme em pessoa, apesar da curiosidade que a menção dos Priout du-Lac lhe despertou. Seria possível que a tolinha de Jarno... Maddie mordeu o lábio para frear o sorriso.

- E eu não sei? – o Lesmão sorriu satisfeito, as mãos pousadas sobre a imensa barriga – Pois saibam que Mme. du-Lac se encontra nesta festa! Provavelmente deve estar em companhia de sua sobrinha, Selune Priout. É uma moça realmente encantadora, apesar da tragédia que se abateu sobre ela ainda jovem, pobrezinha...

Jarno e Maddie trocaram um olhar deliciosamente malicioso. Não haveria oportunidade melhor para Camposanto atacar sua presa do que numa festinha de escola, ainda mais sob os olhos da devotada titi da francesinha. Era melhor do que se poderia imaginar, e Maddie sentiu-se arrepiar ao notar o brilho aquilino que acendeu o olhar de seu perigoso noivo.

- È vero? – como bom felino, Jarno esperou paciente. Acabara de lançar a isca com a leve entonação de dúvida que essa simples pergunta continha. Era uma questão de segundos até que a Morsa entrasse por conta própria em território de caça e permitisse ao Conde dar o bote derradeiro.

- Ora! Mas é claro que é vero, meu caro Conde!
Jarno se manteve em silêncio. Apostou na enorme vaidade do velho professor e no peso de seu título de nobre como forças motrizes para chegar onde desejava, sem que Slughorne sequer percebesse suas segundas intenções. “Sempre desafie um homem vaidoso colocando em cheque aquilo que ele mais preza”. Slughorne prezava sua credibilidade de homem bem relacionado.

- Vejam bem, - começou o Lesmão, em tom confidencial – depois que o Inominável Sebastian Priout, pai da menina, e o avô dela, professor Noah Priout, faleceram em uma mesma missão ultra-secreta do ministério, toda a família se tornou bastante reservada. Mas estou certo de que para dois convidados tão ilustres e, especialmente, sendo um pedido meu... – fez uma pausa dramática - Gostariam de ir ter com elas?

Touchè!

- Seria veramente un piacere, non è, carissima? – Jarno voltou-se todo sorrisos para a noiva.

- Si non è vero, è bene trovato, Diavolino... – Maddie sorria de volta para o noivo, parecendo ainda mais divertida que o próprio.

- Perdão? – o Lesmão olhava para o casal sem compreender.

- Quis dizer que é mesmo uma excelente idéia, Sr. Slughorne - replicou a moça, prontamente. Isso se não for incomodá-lo.

- Imagine! Tenham a bondade de me acompanhar! – enquanto andava, o professor continuava sua autopromoção: - Tenho excelentes relações com todos os membros da família Priout, e também dos Mont-Blanc, mas me surpreendi com o quão rápido conquistei a simpatia da mais nova do clã. Sabem, ela é uma pérola numa concha, um botão de flor...

Jarno olhava atentamente para o stafermo verde, mas na verdade sequer ouvia a ladainha infinita que ele professava. Caso seus cálculos estivessem corretos – e eles obviamente estavam – a jovem quartanistazinha tola a quem brindara, logo que entrara na festa, com umas migalhas de sua atenção, uma ou duas palavras e um mixo beijo na mão, a essa altura já teria dado um jeito de fazer com que a piccola principessa bebesse o “coquetel de frutas” que ele criara especialmente para ela. La Luna Oscura.

- Il giuoco é fatto, murmurou Jarno, discretamente, ao ouvido de Maddie. Deseje-me sorte, carissima.

- E desde quando você precisa de buona fortuna, Diavolino?, murmurou de volta a ruiva, mordiscando de leve a orelha do noivo. Jarno suspirou, fechando os olhos.

“Certamente, la piccola principessa, como bem diz questo stafermo, é uno tesouro escondido. Ma, questa notte é quella em que la fiore irá desabrochar... soltanto per me”, pensou Jarno, desfrutando antecipadamente o momento.

por Raven e Selune. Termos em italiano - cortersia da Raven

Glossário:

- Guarda: veja;
- il diavolo: o diabo;
- Diavolo che ti fa tanto bene, non’è vero, carissima?: Diabo que te faz tão bem, não é verdade, caríssima?;
- diavolino: diabinho;
- Lo credo, cara mia – Creio nisso, minha cara;
- lei: ela;
- studentessa: estudante;
- conoscerla: conhecê-la;
- altre cose: outras coisas;
- soirée: matinê (aproximadamente);
- abbiamo compagnia: temos companhia;
- galantuomo: gentil-homem, cavalheiro;
- insegnante: professor;
- Scusatemi: desculpe-me;
- Si non è vero, è bene trovato, Diavolino...: Se não é verdade, é bem achado, Diabinho;
- Stafermo: idiota;
- La Luna Oscura: A Lua Escura;
- Il giuoco é fatto: o jogo foi feito, a aposta está feita;
- buona fortuna: boa sorte;
- soltanto per me: apenas para mim.

Suite Natalina - Parte 1
Adagio


Photobucket - Video and Image HostingUm som soturno de cravo enchia, naquela manhã de dezembro, a vazia sala de música do casarão dos Priout com um ar de mistério, aumentado pela incidência parca dos raios solares como um holofote tímido às costas da musicista que parecia alheia ao cenário formado somente para ela e o suntuoso instrumento.

Cada nota parecia um visitante do passado, o som antigo e imponente fazendo fundo para a cascata dourada que eram os cabelos da menina, movendo-se displicentemente graciosos ao sabor da interpretação cheia de sensações que a Sonata para Cravo de Beethoven parecia nela provocar.

Toda aquela intensidade tinha razão de ser. Seu coração ainda estava sob a influência dos acontecimentos passados na festa de Natal do Professor de Poções, onde Selune tinha vivido algumas horas de pânico, non sense e estresse em quantidades similares à da bebidinha doce que vira e mexe alguém lhe colocava na mão e ela, obediente, ingeria. A tal coisinha colorida, como ela vergonhosamente se viu denominando o drink lá pelas tantas, fez com que tudo se transformasse num turbilhão com a estranha capacidade terapêutica de deixar todo o em torno agradavelmente em technicolor.

Agora, sentada há horas defronte ao velho cravo de seu tio Erick, pela milésima vez tentava remontar a seqüência dos fatos que culminaram no desfecho mais non sense que havia participado em sua curta vida.

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- E então, Selune? -Satanio olhava para a colega com interesse. A menina mantinha uma taça com um drink multicor em uma das mãos e observava o entorno com certa apreensão. -Ouvi dizer que o Lesmão estava querendo repetir o sucesso do concerto para juventude que ele promoveu na última reunião do clube. Soube que ele ficou realmente impressionado com você...

- Por Merlin, Satanio, nem brinque com uma coisa dessas! Aff! -em meio a um arrepio, a menina sorveu um gole generoso da bebida em sua mão, esvaziando a taça. -Agora que você acenou com essa possibilidade, vou ficar muito mais à vontade nesse lugar...

- Puxa, mas foi uma experiência tão ruim assim? Você é uma excelente musicista, que eu sei. E me disseram que o dueto com o McLoud foi tão perfeito que vocês pareciam feitos um para o outro. -ele considerou por um momento o impacto de suas palavras e continuou: inclusive musicalmente falando...

Yvaine observava a cena com intrigado interesse. "Ora vejam", pensou, "será que ele tem idéia da pertinência do comentário que acabou de fazer?" Mas ela sabia que o cobra amarela jamais dava ponto sem nó. Olhou para seu acompanhante que sustentava um ar de inocente travessura, e dele para a jovem cujo rosto tinha mudado de uma primeira ausência de cor para um rosa-avermelhado intenso.

- Muito obrigada, Sat, eu realmente fico lisonjeada. Agora, sobre outro comentário nada mais distante da verdade. Inclusive musicalmente falando. -Selune tinha a plena certeza de que suas bochechas deveriam parecer dois potes de geléia de cereja vistos de uma perspectiva aérea. - Mas algo me intriga, Monsieur Goddriac: você andou fazendo eco às idéias do McLaggen ou copiou esse modo casamenteiro do Slughorn mesmo?

Selune se surpreendeu ao perceber que não só a voz irônica que ouvira pronunciando essa frase era sua como a sentença vinha acompanhada de uma firmeza marota enquanto sustentava um olhar de seu interlocutor. Olhou para o brilho psicodélico que refulgia da taça em sua mão, outra vez cheia como se alguém houvesse lançado um feitiço de reabastecimento infinito. Pela primeira vez considerou se aquela "coisinha coloridinha" era mesmo somente um coquetel de frutas não alcoólico como a menina quartanista que a servira havia dito.

- Ei! Ofende mas não humilha, loirinha! -Satanio estava achando aquilo tudo o máximo. Jamais conhecera essa porção da francesinha, sempre muito delicada e frágil. Tinha que dar corda e extrair o melhor dessa mistura explosiva de sarcasmo francês e britânico regada a coquetel furtacor. -No mais, você deve saber que essa é uma teoria altamente difundida depois do dueto, justamente porque a harmonia que vocês emanavam só é vista em pessoas que têm anos de parceria na estrada ou uma união transcendental no cosmo.

- Há-há-há... Tudo bem, sua versão pândega de Professora Sibila, vou anotar a previsão. Lembre-me de perguntar ao McCloud se ele é de Touro com ascendente em Escorpião... Não que fosse fazer alguma diferença para ele...

- Não que me deixe em esfuziante alegria admitir isso... -Yvaine decidiu ser uma boa hora para entrar na conversa, já que estavam falando de seu amigo e, ora essa, ela também queria sondar mais a fundo essa história que estava cheirando a roteiro de história de Jane Austen -... mas o Goddriac tem certa razão. O próprio Tristan admitiu que o dueto de vocês foi algo "peculiar". Pode não parecer muito, mas acredite, em linguagem mccloudiana quer dizer algo.

- Vai ver ele não gostou de dividir os holofotes com um grupo de mexeriqueiros fúteis. Não me surpreenderia se peculiar significasse "pateticamente enfadonho" em linguagem mccloudiana... -ao constatar que havia expresso sua opinião de maneira tão contundente, Selune olhou para sua taça e tentou se lembrar quanto daquele líquido deliciosamente doce havia ingerido. Como não lembrasse, deu mais um gole e esperou pela resposta afiada que viria a seguir.

- Parece que você não gosta muito de falar sobre essa festa das celebridades do futuro, sobre o dueto e sobre o Senhor McCloud. -disse Satanio, sorrindo, como sempre.

- Não tenho porque gostar, na verdade. Uma festa onde as pessoas falam de si mesmas com ares de grande importância, e quando não se preocupam em unir famílias puro-sangue como se fossem criadores de pégasus de raça, calam-se torcendo o nariz com cara de "eu sou bom demais para estar aqui".

Yvaine, que na época em que curtia uma paixonite por Herman -parecia ter sido há séculos de hoje... - nutria uma certa antipatia pela loirinha, não pôde evitar admiração que a garota lhe inspirava agora. Além de deixar bem claro que não gostava da bajulação cerrada de Slughorn, também parecia abominar as conversas de alcova high society, onde tudo o que um jovem solteiro de uma boa posição social parece necessitar é de um bom enlace matrimonial, em geral orquestrado de acordo com tamanho do sobrenome. Mas naquela conversa toda, uma coisa estava fora de lugar, e ela precisava colocar nos eixos.

- Bom, já que meu amigo Tristan definitivamente não se encaixa no primeiro grupo por ter alergia desse tipo de comportamento -observou Lancaster -imagino que você o veja como parte do time dos presunçosos.

- Você há de convir que ele não se esforça muito em ser o mais sociável dos homens. Fica sempre com uma cara de profundo tédio, como se fosse uma obrigação conviver com pessoas menos cultas, menos inteligentes ou menos o que seja que ele.

- O.K., eu admito que ele não se preocupa em ser gentil quando não está a fim. Ou a conversar com outras pessoas somente por educação. Ou fazer social para não parecer rude. O engraçado é que, se ele se comporta desse jeito meio blasé é porque concorda com tudo o que você disse. Inclusive a parte de que unir sobrenomes de origem puro-sangue lembra mais a eqüinos alados que gente.

- Verdade? -Selune se espantou.

- Sim, ele realmente morre de preguiça dessas coisas aristocráticas, e evita o máximo que pode ter que fazer parte delas.

- Não, isso aí ele deixa bem claro. -Selune deu um outro gole no seu coquetel. -Queria saber se é verdade que você e o McCloud são assim tão próximos. Você parece conhecê-lo bastante.

Satanio e Yvaine trocaram olhares significativos de quem está enxergando algo que ninguém mais é capaz de ver. Mas foi o sonserino que quebrou o silêncio e, malicioso como um diabrete, disse:

- A Yvaine aqui é muito próxima, quase colada ao McCloud.Tanto que até já conhece a família toda...

- Somos amigos desde o primeiro ano, daí a proximidade. -corrigiu a setimanista -E foi por isso que a família dele me convidou para um jantar beneficente que promoveram há alguns anos, em prol de um abrigo para crianças bruxas órfãs mantida pelos pais e tios de Tristan. Foi lá também que conheci a Sr.a Mildred du Lac.

- Você conheceu a tia Mildred?! E... e por acaso não chegou a conversar com ela, chegou? -Selune ficou apreensiva. Apesar do formalismo e da etiqueta esmerada, sua tia-avó não era má pessoa, e a menina a sabia incapaz de fazer qualquer coisa que a ferisse ou prejudicasse; muito antes pelo contrário, iria fazer o que estivesse a seu alcance para que ela fosse muito feliz. O problema, entretanto, era que na atual idade em que a jovem herdeira dos Mont-Blanc Priout se encontrava, o que Mildred julgava ser importante para a felicidade era um bem ajambrado casamento.

- Na verdade eu não.

Selune não chegou a suspirar de alívio com a resposta de Yvaine porque logo em seguida ela emendava:

- Mas o Tristan sim.

- Sacre bleu... E o que... Mon Dieu, eu tenho até medo de perguntar... -a menina largou-se num pufe próximo, o rosto escondido com uma das mãos.

- Bem, como você deve saber, ela e a senhora Gèneviève McCloud são grandes amigas. E ficaram conversando por horas sobre o assunto favorito delas: você e Tristan, respectivamente. E, pelo o que Tristan me contou, quando ele chegou para cumprimentá-las, o assunto passou a ser vocês conjuntamente...


- Ótimo! Excelent! Agora eu sei sobre o que bruxos refinados fazem no intercurso das comemorações de suas causas nobres: tramam casamentos arranjados nas costas dos envolvidos. -sorriu sarcastimacemte - Coisa realmente tocante. Agora o jovem herdeiro dos McCloud vai ter certeza que eu sou igualzinha às celebridades queridinhas ocas de Slurgh. Mas... que... Mèrd!

- Legal! Você também tem momentos de fúria! E xinga! Viu, Yvaine? Nobres, porém humanos! Devia se lembrar disso ao lidar comigo...

- Satanio...! Ah, esquece... -o garoto fez uma cara de menor abandonado tão genuína que desarmou a bronca que a grifinória de cabelos lilases lhe daria. Ela sentou-se ao lado de Selune, consoladora -Olha, desculpe a intromissão, mas já que você começou a desabafar conosco... por que você se importa tanto com o que McCloud pensa?

Selune piscou algumas vezes, considerando a pergunta. Por que se importava tanto com o que McCloud pensava? Fechou os olhos com força, tentando espantar a imagem que se passava como um filme na sua cabeça: Tia Mildred e Tia Gènèvieve num púlpito discursando para Tristan, que olhava para ela, Selune, com o mesmo ar de reprovação que ele olhara para os membros do Slughclub.

- Porque isso é... Isso seria... Ah... -a loirinha fez um gesto largo, como quem não se importa mais - eu sei que todos me vêem como alguém prestes a se partir, aérea, quase ingênua, que não consegue tomar as principais decisões sobre a própria vida. E eu sei a culpa disso é toda minha, porque nunca me esforcei para provar o contrário. E essa coisa de minha tia ficar me arrumando casamentos só corrobora a tese...-a menina suspirou, de um jeito resignado. -Além disso, eu sei que o que ele pensa sobre essas idiotices aristocráticas é bem parecido com o que eu mesma penso, ele expôs de forma bastante contundente na festa do professor. Então, é como se eu me transformasse naquilo que eu mais abomino na vida e fosse julgada por uma versão masculina de meu próprio olhar. E justo qual versão masculina...

Yvaine acompanhava o raciocínio, tocada pela honestidade com que Selune lhe abria o coração. Mas eles não estavam sozinhos, aquilo era uma festa e ela poderia estar se expondo demais.

- Ei, eu entendo. E sinto muito. Mas... hm... você está contando isso para uma desconhecida... e numa festa cheia de abutres com sede de notícias quentes, e você sendo para eles quase uma princesa de cristal, seria um prato cheio.

- Talvez seja porque tem o mesmo nome da minha avó materna, mas eu confio em você. Um petit secret: sempre quis ter esse espírrito livre, despojado, autêntico como toi. Agora tenho um motivo para me aproximar, pobre de você que tenha sido logo com um desabafo! -Selune sorriu e apertou de leve o braço de Yvaine, em sinal de agradecimento. -Sobrre os abutrres... passou da horra de saberem que a princesa franco-inglesa de cristal xinga, tem dias de fúria e, vou confessar: tem TPM e até mesmo vai ao banheiro!

- Bem, é mesmo difícil separarem a imagem da casca do interior da pessoa. Todo mundo pensa que eu sou só uma maluca modernosa de cabelo lilás. E não é verdade. Quer dizer, não é TODA a verdade.

Yvaine não se conteve e juntas caíram na gargalhada. Selune estava longe de ser a princesa intocável que imaginara, sempre polida, calma e cheirosa. Era só uma garota cujo maior desejo era ser dona de seu próprio desejo, ser senhora de sua própria vida. Como ela mesma.

- Sabe, você tem muito em comum com a Èowyn. Você não quer esperar no castelo, quer ir mesmo é para o campo de batalha, se possível lutar com um Nazgûl e conquistar seu grande amor pelos próprios méritos, não é verdade?

- Se Nazgûl for aquela mistura de bicho alado e reis malvados que queriam o anel e o amor for alguém como o Faramir, é exatamente isso!

- Ótimo! Você é das minhas! E já que demos que o primeiro passo para aproximar a ex-modernosa lilás ex-princesa de cristal, me conte uma coisa: porque o pobre do Tristan foi eleito o alvo convergente de sua questão existencial? Só porque ele é bonitão, rico, culto, invulgarmente inteligente e avesso a high society e sabe disso?

- Acho que é agora que você diz que ele é perfeito. -a voz de Satanio pretendia-se brincalhona e despretensiosa, mas uma leve pontada de ciúme acabou escapando sem que ele se apercebesse disso.

- Não na opinião da Selune, que acha que o orgulho que ele tem em saber disso atrapalha a boa colocação dele no ranking dos homens perfeitos. -Yvaine decidiu provocar o loiro não se incluindo na exceção, o que pareceu funcionar. Com os braços cruzados sobre o peito, Satanio replicou:

- Da forma como você o descreve, cheio de qualidade, ele quase tem o direito de ser orgulhoso.

- Você tem toda a razão no que diz -disse Selune -, e eu seria a primeira a fechar os olhos ao seu orgulho, se ele não tivesse ferido o meu me olhando como se eu fosse mais uma das celebridades do Professor Morsa.

- Não acredito! -Yvaine estava boquiaberta -Você leu "Orgulho e Preconceito" da Jane Austen?

- Claro! Meu primo Phillippe me indicou porque achava a minha cara. Não acredito que você decorrrou algumas falas aussi!

- E eu não acredito no que estou ouvindo! Vocês têm certeza de nunca terem se falado, combinado respostas, ou qualquer coisa assim? -o rosto de Satanio estava congelado numa expressão de confusão, ou medo, ou susto ou todas as emoções juntas. -Nunca em minha curta vida vi duas pessoas tão parecidas e tão... diferentes!

- Mulheres são como unicórnios, fantásticas, simples e extremamente complexas... Por isso sempre ficamos tão confusos e ainda assim, absolutamente entregues. -Lucien emergiu na conversa vindo do fabuloso mundo do lado de fora.

- É exatamente isso! Você descobriu o Lumos, Von Weizzelberg! Escreve um livro que eu me encarrego de fazer os galeões se multiplicarem!

- Acho que teremos de tratar de negócios mais tarde. Eu só vim aqui avisar a Sel que os principais tópicos da conversa estão vindo até aqui. Está na minha hora de tentar resolver minha parcela de confusão e me declarar para sempre entregue. Se me dão licença... -retirou-se, tão misteriosamente como tinha entrado na conversa.

- O Lucien sabe das coisas. Mulheres variam no recheio, Cobra Amarela, mas o que elas mais desejam é bastante parecido em termos de essência. Pelo menos nas mulheres que valem a pena. -Yvaine piscou um olho, como quem dá uma dica muito importante.

Satanio apenas sorriu de modo quase enigmático, mas compreendendo perfeitamente a indireta de sua acompanhante.

- Acho que vocês deveriam ir. - Selune soltou, repentinamente.

- Ué, Ex-Princesa, nem bem me conheceu já está dispensando? Achei que queria se aproximar? -o sorriso de Yvaine deixava bem claro que ela não estava brava. Antes, estava se divertindo de verdade.

- Não me entenda mal. É que me parece que vamos começar mais uma edição da coluna social "matrimônios bruxos".

Yvaine seguiu a linha do olhar de Selune e percebeu, não muito distante dali e se aproximando, a senhora Mildred e o Professor Slughorn, acompanhado de uma casal que ela conhecia bem das páginas das revistas bruxas.

- Ei, aqueles ali não são a Madeleine Sinn e seu noivo, o tal conde...

- Jarno. Jarno di Camposanto.

Foi ali que Selune teve a certeza de que a noite estava apenas começando...

CONTINUA...

Por: Selune
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* Adagio: andamento musical vagaroso.

Imagem tirada do site: http://www.niagaraartcollection.com/musician-picture.htm