Monday, February 26, 2007

Suíte Natalina – Parte 4: Intermezzo**


Selune olhou pela janela da sala de música da mansão e percebeu que já anoitecera há algum tempo. Estava ali defronte ao piano há horas, e vezes sem conta repassara os acontecimentos da festa em sua cabeça sem conseguir descobrir as últimas peças que ainda rodopiavam perdidas em sua cabeça, como o líquido colorido que ingerira displicente durante a comemoração.

Por que só se lembrava de flashes de acontecimentos da festa, tudo aos pedaços? Por que as imagens eram distorcidas logo depois de Jarno tê-la levado para o quarto de estudos de Slughorne? E acima de tudo, a única coisa de que se recordava com perfeição e a que mais lhe incomodava era por que, Oh Merlin, Herman lhe dissera pouco antes de ela deixar a festa que eles precisavam conversar com calma e até o presente dia ele não havia se manifestado nem por berrador?

Próximo aos pés da menina, Lucky ronronava tranqüilo. Nos últimos dias, o gatinho negro como a noite parecera perceber a já natural confusão da dona entrar num crescente contínuo, e, por amor filial, mantinha-se sempre por perto, mesmo que dormindo e sonhando sonhos felinos, como era o caso nesse instante.

- Herman, Herman ... Que será que está acontecendo dessa vez? – A menina suspirou resignada; ainda se lembrava da última vez em que ela e o amigo se afastaram, e o quanto se sentira sozinha, sem chão. Tinham passado por tanta coisa desde de a chegada à Hogwarts que o laço que os unia costumava ser quase telepático e a presença dele algo natural. - De tanto ser fã, acho que o Herman acabou parecido com aquele super-herói que ele gosta tanto, o “Amigo das Aranhas”... não, não é isso... “Homem-da-vizinhança”... nããã. Hum. Ah! Homem-Aranha! O amigo da vizinhança!.

Ainda que Herman não usasse um uniforme vermelho colante riscado em teias, de fato sempre estivera nas proximidades, aparecendo do nada nas horas mais difíceis; isso se tornou mais sensível no ano anterior, que acumulou sozinho um saldo de intempéries considerável. Dentre elas, uma das mais doloridas: a não presença de seu melhor amigo. Tentou esboçar um sorriso, mas uma inquietação indefinida rodopiava em sua mente.

- Talvez se eu conseguir entender o que houve daquela vez, compreenda o que está acontecendo agora... Vamos, Selune, não pode ser assim tão difícil. - Era quase tangível o esforço mental que moça fazia para juntar fragmentos que explicasse o comportamento evasivo do rapaz.

Entretanto, na verdade, era, sim, bastante difícil e ela sabia o motivo. Estava exausta e perdida, afogada numa espécie de torpor de onde tudo parecia distante; nem mesmo estar perto da sua família e das lembranças de seu pai fazia com que ela olhasse para o mundo como parte dele. Sentia como se morasse numa bolha do lado de fora dela mesma, dos problemas, sem a paixão que move as pessoas e as faz acordar todos os dias para mirar a vida nos olhos.

- Sacre Bleu! C’est ne pás possible! Em que momento de ma vie eu me tornei essa pessoa tão ... desligada, desatenta? – era uma pergunta quase retórica. Na verdade, ela tinha uma boa noção não só de quando como também de porque isso estava acontecendo. Desde as férias de verão sua visão das coisas simplesmente parecia ter se nublado.

Começava a se arrepender de ter se metido a ler os livros de psicologia de seu primo Phillippe*, porque cada vez que adentrava o terreno pantanoso das questões existenciais, vinha-lhe à mente a figura de um senhor calvo, barba bem feita, com um olhar penetrante mesmo atrás do óculos redondos. Sentia como se ele a observasse com o ar compadecido de quem sabe exatamente que soterrar no fundo da mente o que é difícil de lidar agora resultaria num considerável trabalho para recuperar tudo quando não fosse mais possível adiar o confronto com a verdade. Como agora.


- Monsieur Freud, se o senhor estivesse vivo ia até Viena só parra lhe informar como a ignorância é uma benção....Aaaaaaaaaaaaaaaah!

O som desencontrado de teclas sendo acionadas ao mesmo tempo sem harmonia alguma acordaram o felino que cumpria sua tarefa de guardião nada elegante roncando aos pés da dona. Lucky ergueu os olhos, entre assustado e sonolento, e pôde ver Selune com a testa apoiada no teclado.

- Meown...?

- Oh, Lucky... perdón. - a menina limitou-se a abrir os olhos e olhar para o gatinho na mesma posição. Eu fiquei ton desconcertada que abaixei a cabeça rápido demais...

Os olhos brilhantes, o gatinho maneou a cabeça, e continuou a fitá-la inquisidor.

- Ah, tûd bem, eu dei mêsm uma cabeçada de prropóssito no teclado, o que é que tem? Eu merrecia um Conjunctivitus ou um Brackium Emendo por ser ton covarde...

- Miah?!

Selune deu um longo suspiro e praticamente se içou do teclado com desânimo.

- Oui, oui... Eu querro meus amigos de volta, e já passou da horra de resolver essa questón.Vam’s começar devagar que as coisas vãm surgind por associaçón livrre, já dirria Frreud. Hmm... – Voltou a tamborilar a esmo uma melodia. Música sempre a ajudara a pensar. Pensar alto, principalmente, mas não havia ninguém ali para lhe ouvir – Vejamos ... Logo antes de comçar tôd a questón com o Aurreos, teve o dia que eu torci o tornozelo caindo sobrre o Drraco... Aff. Non admira ter enterrado essas coisas mêsm’! Ôh, fasse dèsolè essa em que estava apaixo... er...enfim, o importante parra o contexto: o Herman está lá salvando o dia.

Lucky estreitou os olhos e ronronou. Estando claro que aquele era um dos famosos momentos "Selune por e com ela mesma", resolveu que o melhor a fazer era fechá-los novamente e, embalado pela cadência da música, voltar a cochilar.

- Goyle trransita porr aí com um exemplar do livro das famílias - até a Mme. Pince se assustou de vê-lo na biblioteca, aquela aparição assombrosa; hm... Greenleaf foge, Lucien (que eu ainda non sabia que erra o Lucien) o encontra, mas é Herman quem está lá para me salvar de pegar uma grripe serreiân’ à beira do Lago Negro; Lucien me salva da patrulha Umbridge e nós começamos a ficar realmente próximos, principalmente quando ele acaba me dando força na história do Aureos. Herman, por sua vez, começa a investigar sobre o livro e eu peço que ele se afaste dessa confusão, ele se afasta de mim. E então começa a fugir de mim na sala comunal, nas aulas e até no ensaio do corro quando eu toco as músicas parra me desculpar por tê-lo evitado; a gente só volta a se aproximar depois da Festa dos Star, quando eu o defendo do desbotado nojento do Draco, mas depois dessa odisséia... ele nunca mais foi o mesmo. Até a festa de Slughorne, quando ele disse que precisávamos conversar.

Pensativa, sem saber como continuar o raciocínio, a moça silenciou. Tudo que se ouvia na sala era o som forte ecoando, ganhando força e cada vez mais ritmo conforme uma enxurrada de pensamentos inundava-lhe a cabeça a menina, girando, girando hipnoticamente. A cada volta, as idéias iam se encaixando perfeitamente, como um quebra-cabeças para o qual você olha por muito tempo e, justamente pelo costume, não consegue ver que a solução estava numa peça que sempre estivera ali, só que no lugar errado.

Num repente, a música que ecoava pela sala parou. Selune olhava congelada para o teclado do cravo, os olhos abertos numa expressão de pura consternação.

- Não pode ser ISSO! Definitivamente não pode...

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* Intermezzo: intervalo numa apresentação teatral, representação breve e musicada.

** Phillippe Marceu du Mont Blanc: estudante de Psicologia na universidade de Aix-en-Provence, neto da governanta do Chatêu des Fleurs Nana Marceu du Mont Blanc, , trouxa criada como irmã de Yvainne – a avó materna de Selune. Selune, que o chama de primo, costuma ir com ele à biblioteca fazer algumas consultas sobre o mundo que a encanta e do qual ela pouco (ou quase nada...) sabe.

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