Monday, February 26, 2007

Suíte Natalina – Final: Prelúdios de Noturnos*


Lucien estava sentado na cama em seu quarto, olhando para o teto quando ouviu alguém bater na porta com suave urgência uma batida incomum: um som que tentava assemelhar-se à 5ª. Sinfonia de Beethoven.

- Pode entrar, Sel. – Lucien convidara em meio a um sorriso. Ele e a menina combinaram que sempre que ela desejasse avisar o irmão que precisava falar-lhe assuntos particulares iria executar, por assim dizer, uma cópia de quinta categoria da 5ª. Sinfonia. Essa era apenas uma das brincadeiras que refletiam a intimidade que crescera entre ambos nesse quase um ano de convivência; a lista de atitudes bobas, típicas de irmãos era tão grande que acabaram por inventar um termo que ao mesmo tempo explicasse e classificasse o grupo coisas muito particulares que faziam quando estavam juntos sandices selucienescas.

- Oi, maninho. Também está curtindo um momento “Natal, por que tê-lo?”

- É... Estou sofrendo de véspera. Bem, como já conversamos muito, apesar de ambos gostarmos da data em si...

- ... não somos fãs das lembranças que nos suscitam, eu sei, eu sei. Eu... também sinto saudades, Lusch.

- Sabia que eu gosto quando você me chama assim, de Lusch? É tão ... você. Essa proximidade que criamos me faz sentir de novo parte de uma família e isso alivia consideravelmente a dor pré-natal.

- Arre, você tem consciência de quão mal pode pegar você falar nesses termos? Parece que vai dar a luz.

- 1 X 0 para a pândega Sel. Engraçadinha.

- Desculpe, não podia perder a piada. Infame, mas piada... – a menina ficou em silêncio por um minuto, olhando para os flocos de neve colidindo com a janela – Já faz tanto tempo que convivo com essa dor que me acostumei à ela. Só acho que não me acostumei ainda totalmente por não entender o que se passou de verdade com papai, vovô e tio Erick, e por nunca ninguém me fornecer nenhuma dado a respeito. Bem, não que eles saibam também... - Selune sentou-se na cama enorme e olhou bem nos olhos de Lucien – E isso é uma grandessíssima mèr...

- Êh, não completa isso senão eu vou ser obrigado a te dedurar para a Tia Mildred.

- Ora, ora, não sabia que tinha acolhido no seio da família um dedo-duro! Me lembre de tapar sua boca com panos e almofadas quando você estiver para dar seu derradeiro grito delator no leito de morte!**Accio Almofada– quase num mesmo movimento Selune conjurou e arremessou o objeto em Lucien, que a foi mais rápido, segurando a almofada e devolvendo o arremesso na irmã, dessa vez com as mãos mesmo.

- 2 X 2, cabeça de borboleta! Você se rende?

- Tá, eu me rendo... Lusch, eu preciso lhe falar uma coisa muito importante. Na verdade, duas, mas a segunda eu só vou dizer quando estiver certa de algumas coisas. Tem a ver com sonhos com o papai.

- E a outra?

- A outra... – Selune abaixou a cabeça, ruborizada – a outra é que acho que estou apaixonada. Aliás, que sempre estive apaixonada, mas nunca me apercebi disso. Aliás, a verdade mesmo é que não sei se estou apaixonada simplesmente porque...

- Sim?

- Porque não sei o que é isso! – a menina escondeu o rosto com as mãos e se deixou cair na cama – Pode haver uma afirmação mais absurda de uma pessoa que passa seis anos do lado de alguém e só se dá conta de que talvez o ame quando vê que fingiu não ver, desde sempre?

- Por incrível que pareça, eu entendi. – Lucien deitou-se ao lado da irmã, olhado bem dentro dos olhos da irmã. - Você está falando do Mercury, não está?

- É. E nem vou me dar ao trabalho de perguntar como raios você sabe disso.

- Eu sei do meso modo que você disse sempre saber, com o diferencial que eu não fingi não enxergar o óbvio. Eu sei porque eu enxerguei o óbvio.

- Ah, era isso que eu temia! É muito clarro que c’est ne pas possible eu non terr notado esses anos tôds, comprand? Isso só é explicável se eu... se eu non quisesse ver. Mas o pour quoi de eu non querer ver é que son elas!

- Bem, eu desconfiei pela forma que ele me tratava toda vez que nos via juntos e realmente me surpreendi que você não notasse. Acabei concluindo que não queria falar a respeito, e não poderia forçá-la a me dizer nada. E você, como chegou a essa conclusão?

Selune relatou todo o flashback que fizera, desde quando conhecera Herman, passando pelas vezes em que ele se afastou e terminando por relatar o episódio do surreal do qual fora personagem principal na festa do professor de poções.

- Que história! Mas me conte uma coisa: você tem certeza absoluta que esse seu protetor é o Mercury?

- Certeza, certeza não. Mas tudo se encaixa perfeitamente: o fato de ele ter sempre estado por perto quando eu precisei, ter cuidado de mim nesses seis anos, tudo isso somado à promessa de conversarmos depois, à sós, porque ele sabia do teor do que eu diria. Isso pessoalmente e depois como recado através da Mme. Pomfrey – Selune suspirou.

- Mas você sente que não deve se fiar nessa conclusão, ainda que ela pareça racionalmente plausível.

- Exatamente por isso. Está racional demais para ser algo que diz respeito ao coração! Apesar de tudo se encaixar e de tudo que eu sinto em relação ao Herman, o que sinto quando penso nessa situação non sense da festa em específico é totalmente diferente ao que sinto quando me lembro de nós, dos momentos que passamos juntos! São sentires distinto... Como é que pode! Eu acho que estou ficando louca! Aaaaaaaah! – Selune segurou a almofada contra o rosto e deu um grito de desabafo.

- Sabe, maninha? Eu estou aqui todos esses dias ruminando minha história com a Meri, tentando ajuntar os pedaços e formar uma idéia coerente, mas não adianta: sozinho, sem saber de todos os detalhes das todas as partes envolvidas, não vai ser possível que eu compreenda. E me parece que com você o mesmo acontece. Então, antes que alguém decida nos transferir para um retiro de repouso por estafa sentimental, creio que devíamos tomar uma atitude em relação a nossos corações completamente maleducados no que diz respeito ao amor. O que falta a nós dois é procurar as respectivas razões de nosso afeto e tentar a boa e velha e altamente batida...

- Conversa franca? – Selune sorriu – É, eu também cheguei a essa conclusão brilhante. Mas cá entre nós: poxa, Lusch, você está falando igualzinho a vovó Vicky!

- Mas é verdade. E a vovó Vicky sabe muito das coisas, então eu me sinto honrado em ser comparado com ela.

- Quem sou eu para discordar? - A menina ergueu as mãos em sinal de rendição. - Não só a vovó Vicky, mas mamãe e seu pai, nossa família inteira é o máximo! Aliás, esses dois são nossa explicação hereditária para sermos essa dupla de parvos sentimentais. Você acha que ainda vai demorar muito tempo até que eles assumam de vez que se amam e resolvam se casar e nos dar irmãozinhos?

-Não sei, não, mas algo me diz que em breve teremos novidades.

- E a tia Mildred vai ficar muito satisfeita com ela...
- É verdade. – o rosto do rapaz ficou sério. – Mas por enquanto, outra coisa me preocupa.

- O que? Se for sobre os sonhos que tenho tido sobre papai e a pesquisa que estou fazendo nem adianta perguntar. Eu já disse que preciso ter certeza primeiro. E não se preocupe, não estou correndo perigo. Ao menos não ainda.

Lucien olhou demoradamente para a irmã. Finalmente estava vendo o desabrochar de tudo o que ela mantivera latente. Agora sim ela assumia sua herança e seu destino: era filha de um inonimável de respeito. Era uma Mont-Blanc Priout.

- Nada disso. É algo muito mais importante, e envolve riscos inimagináveis até para filhos de aurores e inomináveis...

Selune arregalou os olhos, tentando se prepara para o próximo golpe que a vida lhe daria. Estava, sim, fortalecendo sua alma e preparando-se para encarar de frente a realidade que lhe seria arremessada de sopetão. Não esperava, no entanto, que esse golpe lhe seria atirado em cheio nas fuças sob a forma fofa de uma almofada azul. Após o elemento surpresa, quando finalmente conseguiu assimilar o que se passava ergueu-se da cama pronta para revidar com uma metralhada de almofadas, mas tudo o que pode divisar foi a sola dos sapatos de Lucien fazendo a curva do corredor. Enquanto ele berrava:

- 3 X 2, cabeça de borboleta! E quem chegar por último na neve é o escravo construtor de bolas de neve do outro!

- Lucien Von Weizzelberg! – Selune saiu do quarto derrapando na curva do corredor – Isso é trapaça, seu cabeça de chucrute! Impedimenta!

- Errou! Você atirou antes da hora! – o garoto corria na frente da irmã com alguns bons metros de vantagem. Ao passar pela porta, usou um atônito auror do continente que faziam a segurança da família como escudo.

- Faça jus aos genes de Alexis que você tem e pare de correr! Quero ver você me encarar numa disputa mano a mano! Eu duvido que você ganhe! – a menina passou ventando ao lado de um segundo auror, desequilibrando-o com sua destreza em desviar dele - Anteontem você lembra que eu venci, e não precisei usar nenhum auror com cara de maldição imperdoável para me proteger!

E correram pelo quintal coberto de neve, em meio a risos e provocações inocentes. Aos guarda-costas com cara de maldição imperdoável restou segui-los resignados com a sina de guardar dois adolescentes cheios de gás. E eles adoravam esse trabalho...

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* Prelúdio: introdução, em geral instrumental, de uma peça musical como uma ópera.
* Noturno: forma de composição com caráter meditativo e vago de um devaneio, próprio dos compositores românticos.
* * Dedo-duro (jobberknoll): ave minúscula de penugem azul, muito conhecida por não produzir nenhum som exceto no momento de sua morte, quando regurgita tudo o que ouviu em vida de trás para frente.

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